Um texto de Tati Bernardi, para descontrair um pouco, apesar de ser praticante de Ioga aprendo muito, e me sinto muito bem nos asanas, vale a leitura, para relaxar...
Porque tudo Vale apena, quando a Alma não é pequena!
Porque tudo Vale apena, quando a Alma não é pequena!
Namastê! um beijo grande, à todos
que passam por aqui>..
Milu Minei
Milu Minei
Cansada de ouvir todo mundo dizer que depois da yôga você se torna uma pessoa muito mais feliz, resolvi arriscar. Entrei
na sala e, com toda a humildade que eu não tenho, avisei: a última vez
que eu fiz yôga na vida foi com uns velhinhos no Ibirapuera há 10 anos.
A professora estava concentrada trabalhando pela
energia da sala e não me deu muita atenção.
Enquanto ela inchava e
desinchava seu abdômen, de uma maneira que se eu fizesse provavelmente
descolaria minha barriga, eu reparei em duas coisas que,
automaticamente, começaram a me fazer espirrar: gatos, cobertores de lã e
incensos por todo o lado.
Ela finalmente se levantou, olhou fundo nos meus
olhos irritados pela alergia e disse, como quem diz a coisa mais
simples do mundo: não se preocupe, por hora só o que você precisa fazer é
um sukasana ou, se preferir, um siddhasana. Agora, se você tiver um bom
alongamento, pode tentar também o padmasana. Sim?
Eu fiz um longo “sim” com a cabeça e assim
permaneci por mais dez minutos. A única coisa, de tudo o que ela havia
dito, que eu sabia fazer, era o tal do “sim”.
Os outros alunos se exibiam fazendo posturas
estranhas em que os pés eram substituídos pelas mãos, a cabeça pela
bunda, o joelho pelos braços, o queixo pelo cóccix e vice-versa. Não me
perguntem o que isso quer dizer.
Comigo o tratamento era diferenciado. Isso ficou
claro quando ela mandou todos os alunos ficarem em virabhadrasana
enquanto eu ficava em adhomukha svanasana.
Ela se aproximou e me disse baixinho: enquanto eles fazem o herói, você faz o cachorro olhando pra baixo, ok?
Ela se aproximou e me disse baixinho: enquanto eles fazem o herói, você faz o cachorro olhando pra baixo, ok?
Até aí tudo bem, sem problemas, eu estava mesmo
em um dia mais “cabisbaixo”. Mas todo mundo sabe, na história dessa
coisa chamada humanidade, que cachorros e gatos não se dão muito bem.
Para o meu desespero canino, tive de ficar com o
focinho enfiado nas costas da gata mais felpuda da escola por longos e
infinitos três segundos. Não me lembro ao certo, mas acho que tive uma
série de espirros digna de entrar para o Guinnes.
Com direito a coçadas animalescas por todo o corpo, mais parecidas com danças de macaco de circo, e mucos nasais de diferentes consistências espirrados na minha “mat” (a esteirinha que você compra para a prática).
Com direito a coçadas animalescas por todo o corpo, mais parecidas com danças de macaco de circo, e mucos nasais de diferentes consistências espirrados na minha “mat” (a esteirinha que você compra para a prática).
A professora agora queria despertar a nossa
kundalini e, para isso, tínhamos que fazer uma série de pranayamas que
iam nos esquentar por dentro.
Fiquei com medo… esquentar por dentro com essa palavra estranha que começa com “cu”… só o que me faltava agora era aquele bando de gente zen começar a peidar.
Fiquei com medo… esquentar por dentro com essa palavra estranha que começa com “cu”… só o que me faltava agora era aquele bando de gente zen começar a peidar.
O exercício consistia em inspirar fundo e
expirar rapidamente e com muita força pelo nariz, como se todo mundo
resolvesse assoar ranhos ao mesmo tempo, um na nuca do outro. Eu, que já
estava completamente entupida por causa da rinite, achei melhor não
arriscar. Fiquei com a minha kundalini adormecida mesmo, mais seguro.
Vendo todos os meus embaraços e minha falta de
flexibilidade, os alunos começaram a comentar: “aquela ali tem o corpo
escuro”. Fiquei me perguntando o que exatamente significava isso.
Será que todos eles eram iluminados por dentro e só eu vivia nesse templo esquecido e mórbido chamado espírito?
-Será que eu tinha me cagado fazendo tanta força?
-Será que minha aura estava poluída?
-Será que em pleno século XXI as pessoas ainda são racistas com quem tem o corpo escuro?
Será que todos eles eram iluminados por dentro e só eu vivia nesse templo esquecido e mórbido chamado espírito?
-Será que eu tinha me cagado fazendo tanta força?
-Será que minha aura estava poluída?
-Será que em pleno século XXI as pessoas ainda são racistas com quem tem o corpo escuro?
Momento de relaxar, esse devia ser fácil. Eu
apenas tinha que fechar os olhos e lembrar de alguma coisa muito boa.
A
mestra ainda deu as dicas: cachoeiras, montanhas, praias…
Cada aluno deveria dizer agora o que estava “jogando
fora” para merecer os benefícios daquela incrível energia budista
desprendida de bens materiais, afinal “dessa vida não se leva nada, mas
se eleva o espírito”.
A japonesinha atrás de mim jogou fora a casa na
praia. O fortão, a sua moto nova. As irmãs gêmeas, todas as roupas que
elas tinham no armário. A senhorinha na minha frente, todo o dinheiro
que ela tinha no banco. E eu só conseguia pensar em levar o lixo da
escola embora com tudo o que os outros tinham jogado nele.
Agora, munida de um longo cinto, minha tarefa
era amarrar meus pés, minha cintura e meus braços de uma só vez. A
professora garantiu que era um passaporte para o céu.
Ótimo, como eu tava precisando mesmo sair
correndo dali, o céu era um bom lugar para ir. Me amarrei toda e só
conseguia pensar no cantor do INXX, que morreu praticando
sadomasoquismo.
Na hora em que ela mandou desfazer a posição, eu realmente fui para o
céu… mas isso não lhe parece meio óbvio? Ao final de um período longo de
sofrimento, todo mundo é feliz. Mas pelo menos o exercício do
aperta-espreme tinha servido para eu liberar a minha kundalini, a
quantidade de gases que eu tinha no corpo era surreal.
O final da aula tinha chegado. Ufa! O último
exercício era muito simples, ridículo de fácil: eu só teria que plantar
uma bananeira sem me apoiar em nada.
Olhei para os outros alunos buscando um momento
de cumplicidade do tipo “essa mulher tá louca”, mas eu era mesmo um ser
solitário naquele lugar: todo mundo já estava de pernas para o ar. Só a
taurina aqui amava mais do que tudo os pés bem firmes no solo e estava
em pânico. A professora olhou pra mim, dessa vez com um pouquinho de
compaixão (finalmente!) e disse: “se concentra no Krishna Das que você
consegue.”
Eu não fazia a menor ideia de quem era esse
cara, mas me concentrei nele, repetindo esse nome mentalmente mais de
mil vezes. Enquanto eu repetia, ela levantava as minhas pernas.
Todos os outros alunos repetiam incessantemente um mantra que dizia
“Milu Minei”. Fiquei horas me indagando quem seria agora o tal do
“Milu”, tantos nomes novos! Era um novo mundo! Eu precisava estudar.
Eu já estava quase totalmente de ponta-cabeça
quando percebi que minhas mãos suavam muito e que a qualquer momento eu
poderia escorregar daquele mat cheio de mucos nasais. Com medo da queda
repentina, provoquei uma queda instantânea (também não me perguntem o
que eu quis dizer com isso)… mas não medi exatamente a distância entre
meu pé e o nariz da professora, causando assim um acidente dos mais
bizarros da minha vida: eu dei um coice feroz na coitada.
Nocauteada, tonta e pronta para esquecer os mantras e mandar um sonoro
“cacete, sua vaca”, a professora não sabia se resolvia primeiro a dor do
seu nariz ou a expulsão da minha existência daquela aula. Eu tentei
ajudar falando na língua dela: “reza para o tal do Crisnaquedá, ou pra
esse outro Milu Minei, se concentra neles.”
Só depois descobri que Krishna Das era o cantor
do CD que tava tocando durante a aula. Uma espécie de Rei Roberto Carlos
para os iogues. E que o mantra, na verdade, era “me iluminei”. Eu sei
que tudo isso parece um roteiro bem ruim de um filme bem ruim, mas
aconteceu.
Enquanto os outros alunos correram para buscar gelo, eu tratei de
evaporar dali o mais rápido possível. O problema foi que desci as
escadas sem levar em consideração minhas pernas trêmulas por causa dos
exercícios, a cabeça baixa por causa da vergonha e os olhos quase cegos
por causa da alergia. Sim, eu rolei mais de 15 degraus escada a baixo,
levando comigo gatos, imagens de Buda, uma cortina de seda e alguns dos
alunos que estavam na contramão.
Quando finalmente consegui sair dali, eu não tinha dúvidas: era a pessoa mais plena do mundo.
_______Tati Bernardi*
Versos Amor Espiritualidade
Imagem:Google


Nenhum comentário:
Postar um comentário